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domingo, 20 de dezembro de 2009

Natal...


Quem me conhece, ou acompanha esse blog, sabe que sou fã dos textos da Martha Medeiros. Ela é uma poeta, cronista e romancista gaúcha, e escreve semanalmente para os jornais "Zero Hora" (Porto Alegre) e "O Globo" (Rio de Janeiro).
E, para refletirmos sobre o Natal, deixo uma crônica dela, retirada do livro "Doidas e Santas" (2008).
Espero que gostem!

"O Espírito da coisa:
Você sempre pega o espírito da coisa? Geralmente o espírito da coisa é algo que fica subentendido, só as almas atentas conseguem captá-lo. A verdade é que, em um mundo cada vez mais pragmático, é difícil pegar o espírito da coisa, seja que coisa for essa.
O que dizer então do espírito de Natal? Antes ele entrava no ar assim que dezembro iniciava. O espírito desse mês, para quem foi criança em outros tempos, era de pura magia. O Natal, que demorava tanto para chegar, estava batendo à porta. "Quantos dias faltam, mãe?" "Agora falta pouco, querida." "Quanto?" "Uns 20 dias." "Tudo isso!!!!"
Mas a gente sabia que era pouco se comparado à longa espera de um ano inteiro. Em maio, junho, julho, o Natal ainda estava por perder de vista. O Natal era o arremate do calendário, era a compensação por tanto estudo e provas na escola, era o prêmio por termos nos comportado bem, era a hora de colocar uma roupa bonita e ter algum desejo atendido, era hora de comer umas delícias diferentes, de rezar, de acreditar em todos os sonhos. O céu ficava mais azul, as estrelas davam cria. Então finalmente chegava dia 24. A empregada era liberada logo após o almoço, o pai voltava mais cedo para casa e nenhum moleque reclamava de ir pro chuveiro, até gostava. Já de banho tomado, era hora de esperá-lo. Ele. O verdadeiro deus de toda criança, Papai Noel.

Hoje mal entra dezembro - e com ele, trovoadas - e os shoppings lotam, o trânsito entope, os filhos pedem coisas caríssimas e ganham antes mesmo da noite feliz. Comprar, comprar, comprar. Você, meio sem grana, faz o que pode. Os outros, meio sem nada, você faz que não vê. Mas eles estão entre nós: crianças pedindo um lápis de presente, pedindo colchão de presente, sonhando com o primeiro iogurte de suas vidas. E a gente voando de um lado para o outro, sem tempo para eles.

Isso tudo vai até dia 24, quando dezembro acaba. Ao menos este dezembro insensato, consumista, ateu, que dura 24 dias febris, em que todos correm, todos estão atrasados, todos tem compromissos inadiáveis. Uma amiga escreveu no auge do estresse: "Pensar que o próximo será daqui a um ano é a melhor parte da história".

Antes de começar a contagem regressiva para o próximo, temos o dia 25. Um feriado, uma trégua. As lojas estão todas, todinhas fechadas. Sobrou alguma coisa da ceia para beliscar na geladeira. Você vai sentir sede de suco natural, de água gelada. Vai colocar música para tocar, vai vestir uma camiseta limpa. Você não tem nada para fazer, nenhum motivo para tirar o carro da garagem, nenhuma razão para procurar vaga para estacionar. Hoje você vai andar a pé, no máximo de bicicleta. Vai falar mais pausadamente. Dia 25 é dia de caminhar devagar, de chinelo ou pés descalços. Dia de olhar bem fundo nos olhos do porteiro que está trabalhando, do motorista de ônibus que está trabalhando, e desejar a eles um feliz Natal prá valer. Com sentimento. Um sentimento que não seja medo nem angústia.

Paz.

É o dia 25 que nos restou para isso. Um dia para sairmos de casa apenas para ir até alguém que nada possui e ofertar um pedaço de bolo, uma barra de chocolate, um travesseiro, um sabonete, uma bola, qualquer coisa que signifique uma verdadeira extravagância diante de tanta miséria. Terminou a histeria coletiva, terminou a festa, terminou a semana. É no dia 25, antes que tudo se reinicie, que você poderá encontrar o verdadeiro espírito da coisa. Não deixe que ele escape".


Feliz Natal para todos!!!!

2 comentários:

  1. Você tem o livro dela? Também adoro!
    É sempre um 'acorda menina'!! heheh
    Muita saudadeeeeeeeee

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  2. Eu tenho alguns livros dela... o "Doidas e Santas" é só de crônicas e é mto bom!!!! Vale a pena!!!!

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